[Resenha] Índios coloridos

Imagem ilustrativa |

A primeira vez que li Índios coloridos foi há quase 20 anos.

É um livro de contos, difícil de entender para uma criança que tem a mente acostumada a narrativas contínuas de romances. O formato de contos só começou a fazer algum sentido depois que li Bestiário, de Julio Cortázar, e alguns ensaios do mesmo autor sobre o gênero.

Reler Índios coloridos foi fácil. O livro reúne contos de Fernando Ammon Valle, um escritor diletante – seu trabalho mesmo é com sistemas de informação – porém competente. Todas as histórias foram compostas quando o autor tinha entre sete e 18 anos de idade, reunidas e publicadas em 1996. O livro não transmite sofisticação estética nem discute os grandes problemas do mundo, apenas o maior desafio primordial de qualquer pessoa: o autoconhecimento.

As imagens utilizadas refletem, em grande parte, anseios e curiosidades de um jovem diante de uma realidade muito maior do que ele, como no conto de abertura Minha rua. Valle soube usar a linguagem para abrir o próprio baú e dar nome às coisas e sentimentos guardados. "Havia nome para todas as coisas: nada simplesmente existia, tudo chamava-se", diz o narrador no conto Janelas, que tem o desfecho mais legal de todos.

Nomear é privilégio do homem. Nenhuma outra espécie dá nome às coisas. É a primeira tarefa bíblica de Adão, dar nome aos bichos e plantas. A psicologia nos diz que dar nome aos sentimentos e pensamentos é a melhor maneira de lidar com eles. Existe até um traço de personalidade característico de quem tem dificuldade de nomear emoções: alexitimia.

Em Talvez onze duendes, o narrador enfrenta mais do que criaturas míticas pequenas e diabólicas, mas os próprios medos e temores, talvez a conquista sobre si próprio – a psicanálise apontaria que a "espada flamejante, magnífica" com a qual o personagem se livra de seus inimigos carrega uma representação fálica, mas esse não é nosso trabalho.

Vítima e Abismo, também em primeira pessoa – quase todos são escritos em primeira pessoa – trazem uma densa narrativa sobre morte e suicídio, existência e propósito. Uma sequência de quatro contos aborda o amor e os relacionamentos em diversos estágios, perda, reencontro, rotina, calcificação do próprio amor pelo tempo. Reflexões breves, mas que provocam identificação.

Outros são mais existenciais, como Janelas e O compasso que fazia quadrados, uma bela comparação entre desejo intrínseco e instrumentalização das pessoas pela sociedade. "Acho que o compasso um dia cansou de fazer sempre a mesma coisa redonda e decidiu mudar um pouco". O trecho selecionado é uma narração dentro da narração; o conto é escrito em terceira pessoa, viaja o mundo inteiro e repousa na simplicidade de uma criança. Um aparte do autor coloca-o na história: "O compasso original não fazia quadrados. Fazia qualquer coisa, aliás. Sua especialidade eram índios coloridos".

Crianças e índios representam primitivismo, ingenuidade ou pureza original de entendimento. Pelo menos em uma visão mais romântica. Índios não têm uma identidade individual, como pessoas na civilização esbranquiçada, mas se identificam na coletividade. "O índio, ao contrário, é uma palavra que acho que só existe no plural. Índio, para mim, é índios. Eles se definem pelo que têm de diferente, uns dos outros e eles todos de nós, e por alguém cuja razão de ser é continuar sendo o que é.", defende, com propriedade, o etnólogo Eduardo Viveiros de Castro. Cada conto é um índio colorido desenhado pelo compasso. E eles só fazem sentido quando estão juntos em suas diferenças.