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Foto: Mônica Câmara/divulgação |
Foi no lançamento do livro Liturgia do fim, de Marília Arnaud, numa pomposa cerimônia no pátio da Usina Cultural Energisa, que troquei as primeiras palavras, em pessoa, com Maria Valéria Rezende. Cheguei meio sem jeito, mas ela tratou comigo como quem fala com um velho amigo. Falou desde sua curiosidade por motoboys – personagem do clássico conto "Desejo" – até a revolta com certos escritores. "O jornalista pergunta 'qual a sua rotina produtiva?' aí o cara diz 'ah, de manhã passeio pelo calçadão de Ipanema, depois escrevo, almoço, tiro um cochilo, escrevo de novo'. Aí no final do dia escreveu o quê? 'Um parágrafo'. Porra!".
A santista que abraçou João Pessoa (PB) não nega um dedo de prosa a ninguém. E assim ela fez sua carreira literária -- tardia, porém prolífica: conversando, trocando ideias e absorvendo experiências. Optou pela vida clerical, mas desempenhando ações de cunho social: trabalhou com educação popular, programas de formação de educadores, integrou a direção da Juventude Estudantil Católica e abrigou fugitivos do regime militar brasileiro. Formou-se em Pedagogia e fez mestrado em Sociologia. Viajou bastante em aviões da FAB e conheceu boa parte do Brasil.
O território da literatura não lhe era desconhecido, apesar do início tardio -- Rezende é graduada em Língua e Literatura Francesa pela Universidade de Nancy --, mas a maior fonte do seu trabalho é a experiência. Quando começou a escrever Quarenta Dias, comprou uma passagem para Porto Alegre, cenário do romance, e saiu a perguntar: "conhece um rapaz da Paraíba, o Cícero Araújo, peão de obra, que não deu mais notícias à mãe?" Poucos escritores assumem o ofício de maneira tão comprometida.
Seu primeiro livro, Vasto Mundo (2001), prenunciava a força da sua literatura ao chegar à final do Prêmio Cidade de Belo Horizonte. Em 24 de janeiro de 2004, o suplemento comemorativo dos 450 anos de São Paulo do Estadão trouxe uma série de contos selecionados sobre a cidade. Um deles era "Desejo", onde Maria Valéria narra, em um fluxo de consciência, a saga de um motoboy nordestino para encontrar uma romã na metrópole paulistana para sua companheira grávida. "Fui eu quem mandei o conto para eles", disse-me a irmã de Maria Valéria durante a cerimônia na Energisa. "Eu adoro motoboys", confidenciou, em seguida, a escritora.
A literatura de Rezende abraça os grupos excluídos, sem voz. É uma extensão do chamado religioso da autora. E é por mostrar essas faces -- em franca oposição à anódina literatura hipster e boêmia da classe média -- que as histórias contadas pela freira são tão cativantes. Confira abaixo os romances e coletâneas de contos assinados por Maria Valéria Rezende.
- Vasto Mundo (2001)
- O voo da Guará Vermelha (2005) -- finalista do prêmio Zaffari e Bourbon 2007; ganhou edições na França, Espanha e Portugal;
- Modo de apanhar pássaros à mão (2006) -- o volume de contos foi semi-finalista do prêmio Portugal-Telecom em 2007 e recebeu o selo Altamente recomendável para jovens, da FNLIJ;
- Quarenta Dias (2014) -- premiado como o melhor romance pelo júri do Prêmio Jabuti em 2015
- Outros cantos (2016) -- melhor livro do ano pelo prêmio Casa de Las Américas
- O Arqueólogo do Futuro (2006)
- O Problema do Pato (2007)
- No Risco do Caracol (2008) -- segundo lugar no Prêmio Jabuti (2009) na categoria infantil
- Conversa de Passarinhos: haicais para crianças de todas as idades (com Alice Ruiz) (2008) -- Finalista do prêmio Jabuti, juvenil, em 2009
- Histórias daqui e d'acolá (2009)
- Hai-Quintal: haicais descobertos no quintal (2011)
- Ouro Dentro da Cabeça (2012) -- terceiro lugar no Prêmio Jabuti (2013) na categoria juvenil
- Jardim de Menino Poeta (2012)
- Vampiros e outros sustos (2013)
- Uma Aventura Animal (2013)