É provável que crescidos longe da Região Sul pouco conheçam a respeito da poeta Maria Dinorah Luz do Prado – de cujo nome emana poesia. Professora, contadora de histórias e colunista, Maria Dinorah se destacou na produção literária pensada para crianças e adolescentes no Rio Grande do Sul.
O trabalho da escritora carrega singeleza e simplicidade no linguajar arranjados em ricas e criativas construções poéticas, desde sonetos até versos livres. Os temas transitam entre imagens da infância, dramas maternos, homenagens aos filhos, crítica social e muitos outros, em geral com uma abordagem pensada para o público infanto-juvenil – o que não impede que pessoas de qualquer faixa etária desfrutem da obra.
Mas por que uma escritora e ativista cultural reconhecida por artistas do porte de Erico Verissimo, Carlos Nejar, Mario Quintana e Carlos Drummond de Andrade – além de ter conquistado vários prêmios literários em todo o Brasil – é pouco conhecida ao norte dos pampas?
"O legado cultural de Maria Dinorah é certamente muito maior do que seu reconhecimento", conta Patrícia Pitta, mestre e doutora em Teoria da Literatura pela PUCRS e estudiosa do espólio da escritora, falecida em dezembro de 2007. Pitta é organizadora da antologia Maria Dinorah Luz do Prado: que falta que ela nos faz, lançada em dezembro do ano passado. A obra reúne textos publicados, manuscritos inéditos e até fac-símiles de notas escritas à mão por Maria Dinorah. A obra foi editada a pedido dos quatro filhos da escritora: Luiz Carlos, Maria Luiza, Beto e Carmen, responsáveis pela seleção do material depositado no acervo DELFOS da Biblioteca Central da PUC-RS. A cada um foi dedicada uma seção da antologia, onde eles tiveram a liberdade de selecionar os escritos conforme a memória afetiva que guardaram da mãe.
Para Pitta, os críticos de literatura frequentemente circunscrevem Maria Dinorah ao ambiente escolar. No entanto, sua obra é vasta e não cabe nesses limites, embora ela de fato tenha se concentrado em produzir para o público local com o propósito desenvolver suas potencialidades.
"Eu me senti pequena e impotente frente à enorme quantidade de seus manuscritos", relata Pitta. A maior parte do material da escritora disponível na biblioteca jamais foi publicado. "São mais de 200 cadernos com poesias, contos, crônicas, aforismos. Textos que, entre originais e inéditos, levarão anos para serem catalogados, analisados e selecionados". Seu projeto permaneceu ativo entre 2013 e 2015, mas foi paralisado por falta de financiamento.
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"O certo é sermos. O resto é covardia" (imagem: reprodução/livro) |
O livro
Maria Dinorah Luz do Prado: que falta que ela nos faz tem gosto de saudade. Mesmo para quem nunca ouviu falar da escritora gaúcha, é impossível olhar para versos escritos às pressas em uma página de agenda e não sentir o punho da artista no exato momento em que ela transcrevia sua ideia. "Grande parte da obra de Maria Dinorah é voltada para o leitor infantil, contudo, a sua produção dirigida ao leitor maduro é vasta e bastante festejada", relata Pitta.Sob a textura sensível dos versos, é possível identificar uma estrutura complexa de metáforas, ritmos, assonâncias e aliterações. Porém, longe de ser uma arte parnasiana, são poemas que acertam em cheio a subjetividade na primeira leitura, pungentes em forma e conteúdo, um casamento singular entre ética e estética. Escritos lúdicos e sérios, claramente escritos por uma alma que buscava tocar outras almas.
Várias facetas de Maria Dinorah estão presentes na antologia; é o primeiro contato ideal para aqueles que não conhecem a escritora e uma edição de colecionador para aqueles que aprenderam a ler passando os olhos pelos versos de Maria Dinorah. Crianças e adultos que nascerão no próximo século deveriam ter contato com sua obra. "O que eu depreendo da obra e da trajetória de Maria Dinorah é que ela se preocupava com o fazer literário muito claramente de duas formas dicotômicas: uma relacionada à sua ânsia existencial, que a impelia a produzir, e outra relacionada à quantidade, qualidade e validade de seu público leitor", considera a pesquisadora.
Leia abaixo alguns versos retirados do livro, que pode ser adquirido aqui.
"Eu gosto tanto de brincar de infância
que esqueço, às vezes, o apagar dos dias.
Como se a vida, a derramar distância,
fosse um brinquedo em minhas mãos vazias" (Preocupação, in Hora nua, 1980)
"Tudo quando me emburra
é uma surra.
Tudo quanto me anima
é uma rima.
Tudo quanto me enrola
é uma bola.
Tudo quanto me encanta
é uma planta.
Tudo quanto me invade
é amizade" (Tudo quanto, in Cantiga de estrela, 1984)
"Procuro
uma receita mágica.
Pra dar riso ao Janjão.
Pra farturar o pão.
Pra adoçar a lição.
Pra promover a banda,
remover quem desmanda,
coroar a ciranda.
Procuro um jeito
de ser leve e profundo.
Procuro uma criança
pra comandar o mundo" (Receita, in Coração de papel, 1986)