Indústria cultural e imaginário popular: histórias de pescador em A serpente marinha


Onze horas da manhã, dois homens de meia idade conversavam no molhe do Havre. Um era o capitão do Santo Enoque, Evaristo-Simão Bourcart; outro, amigo de longa data deste e oficial do porto, Brunel. Bourcart queixava-se da tripulação incompleta e do consequente atraso de quinze dias imposto pelas normas marítimas: um navio baleeiro não poderia se lançar na imensidão oceânica sem um médico e um tanoeiro (responsável pelo armazenamento do óleo) a bordo.

No entanto os ventos favoráveis trouxeram ao capitão do Santo Enoque o jovem e vigoroso médico Filhiol, dotado de alguma experiência no mar, apesar de jovem. Para completar a tripulação, Bourcart teve de recorrer a um velho conhecido: o supersticioso e agourento João Maria Cabidoulin, homem de 52 anos, muito experiente e de vigor jovial. Mas as temerosas predições de catástrofes, naufrágios e um eventual encontro com a Serpente Marinha trariam receio para toda uma tripulação de 34 homens.


O Santo Enoque levantou âncora no dia seguinte. Tudo deveria correr como esperado, com campanhas vitoriosas e lucrativas, como haviam sido até então na viagens do capitão Bourcart. Apenas João Maria Cabidoulin poderia tolher o sucesso da pesca, inspirando medo nos marinheiros.


A serpente marinha é uma aventura que se passa não no romance em si, mas no imaginário dos personagens, na fantasia que suplanta a racionalidade e o ceticismo em face da solidão do homem que se lança na vastidão do mar. Não há um desfecho, um final satisfatório, apenas uma constante dúvida que norteia o leitor do começo ao fim do livro (mais informações, leiam-no).


O romance A Serpente Marinha, escrito por Júlio Verne, é a evidência fiel de que a indústria cultural, mesmo com suas tendências massificantes e universalizantes, se fascina com lendas populares, folclore, histórias nascidas do imaginário do homem simples. Foi assim no séc. XIX e o é ainda hoje.