Antes de qualquer coisa, não se trata apenas do Livro, e sim de toda uma uma história que remete às origens da humanidade, da cultura e da escrita. A prática da leitura, apesar de ser pouco cultivada seja por falta de incentivos às editoras e escritores, seja pela pura falta de interesse da maioria das pessoas ou por qualquer outro motivo que se possa elencar, hoje é acessível a uma grande parcela da população. Entretanto, em civilizações antigas, como os sumérios e egípcios, e até mesmo medievais, como os nórdicos, a prática da leitura e da escrita era possível a apenas uma casta restrita de nobres, sacerdotes ou feiticeiros, de forma que a ela era atribuída um caráter divino, transcendental, costume que chegou à própria Igreja Católica, que deificou o Latim.
As primeiras formas de escrita de que se têm registro vêm da cultura dos Sumérios, povo que habitou a Mesopotâmia (região compreendida entre os rios Tigre e Eufrates, onde atualmente se localiza o Iraque). Os caracteres cuneiformes – os mesmos que vimos nas aulas de História – eram registrados sobre placas de argila para identificar transações comerciais, uma forma de garantir os direitos de compra, troca e venda, resguardando, de uma certa forma, as partes envolvidas (nasceria aí, também, o Procon)? Apesar de não possuir valor jurídico, uma vez que não haviam instituições competentes para julgar a legalidade e idoneidade do comércio, tampouco um sistema de leis complexo, os registros tinham por finalidade representar uma garantia documental de que determinada transação havia sido feita. Isso por volta de 3.300 a.C.
Sistemas de escrita mais sofisticados começaram com pictografias, desenhos que lembravam a forma física daquilo que representavam. Lá por volta de 2.000 a.C, ainda na Suméria, estima-se que tenha surgido um estilo diferenciado da escrita cuneiforme, conhecido como logogrifo. Este baseava-se na combinação de dois símbolos com a finalidade de exprimir uma ideia ligada a eles, porém distinta. Para simplificar, podemos dizer que é mais ou menos como o processo de formação de palavras que temos hoje na língua portuguesa (justaposição e aglutinação). Pode parecer simples hoje, mas à época foi a Grande Sacada da humanidade, tanto que foi incorporado à linguagem de inúmeras outras civilizações e, de certa forma, permanece até hoje.
Os egípcios utilizavam a escrita hieroglífica (no grego, hieros = sagrada), artisticamente bem elaborada e excessivamente esmerada em relação à cuneiforme e logogrífica, o que nos leva a inferir que, novamente, apenas sacerdotes e escribas tinham acesso à leitura e escrita dos textos. Esse estilo foi sendo substituído aos poucos, à medida em que o trabalho dos escribas passava a demandar certa agilidade, contrária ao trabalho de paciência da escrita hieroglífica. Daí se desenvolveu a escrita hierática, que utilizava as mesmas bases da antecessora, mas se caracterizava pela ligação entre os símbolos (escrita cursiva). Em 650 a.C surge a escrita demótica, mais popular e distante dos desenhos, utilizada em assuntos correntes pela sua maior simplicidade. A Pedra de Rosetta, documento que permitiu o deciframento da linguagem egípcia a partir do grego, contém as escritas demóticas, hieroglífica e grega.
Alguns anos antes, em 1.000 a.C, foi criado um sistema de representação dos sons através de símbolos escritos em um sistema bem lógico e peculiar: o alfabeto. Atribuído aos Fenícios, conhecidos por serem grandes navegadores e comerciantes, consistia em apenas 30 símbolos (apenas consoantes) que poderiam representar tudo o que se falava, enquanto os sumérios utilizavam 600 cuneiformes, os egípcios centenas de hieróglifos e os chineses milhares de ideogramas. Isso facilitou a disseminação da escrita e leitura, ou seja, outra Grande Sacada.
Com a evolução da escrita, os meios técnicos utilizados para a sua representação também ficaram mais aprimorados. Da tábua de argila (uma coleção delas constituiu uma biblioteca primitiva na Suméria), passamos para os papiros, rolos de até 40 metros feitos com fibras de plantas e prensadas com pasta de amido, meio amplamente utilizado na rica civilização egípcia. Em uma região da Ásia Menor conhecida como Pérgamo, foi inventado o pergaminho (200 a.C), feito a partir de couro curtido. Os romanos organizaram os registros em códices (codex), palavra que significa, literalmente, livros. Esse é o modelo que persiste até hoje, mesmo em convivência com os contemporâneos formatos digitais.
Outra Grande Sacada começou a germinar com os chineses (aproximadamente em 1040 d.C), que criaram métodos de reprodução que poderiam abreviar os processos de cópias e aumentar a produção: surgia a técnica da tipografia. Entretanto, o invento que realmente possibilitou a impressão em larga escala de livros e condicionou o surgimento da imprensa no ocidente foi a Prensa Móvel, do alemão Johannes Gutenberg (1398 – 1468). Seu grande trabalho foi a impressão da Bíblia, um marco na história do livro e da editorialização.
Atualmente temos o privilégio de vivenciar mais uma tranformação história no modo de ler e escrever. Estamos num período de transição entre as fronteiras temporais do livro físico e digital, novos formatos de leitura (a exemplo dos e-readers) surgiram, grandes discussões sobre a permanência do papel e de uma suposta e futura prevalência dos meios digitais marcam os debates sobre como o livro será lido em algumas décadas e como o é atualmente. Paralelamente à imensa produção editorial, que despeja um volume esmagador de informações todos os dias, temos novos e cada vez mais sofisticados sistemas de classificação e indexação eletrônicos, que possibilita o acesso ao conhecimento de maneira rápida e eficaz. Estamos em cima de um marco histórico, então não há motivo para esquecer o Dia Mundial do Livro e dos Direitos de Autor, tanto pelo que o Livro representa historicamente (racionalidade, escrita, conhecimento) quanto pela sua crescente importância atual e futura.
Referências
- JEAN, Georges. A escrita: memória dos homens. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002.
- HIGOUNNET, Charles. História concisa da escrita. São Paulo: Parábolas, 2003.
- HORCADES, Carlos M. A evolução da escrita: história ilustrada. Rio de Janeiro: SENAC, 2004
- Portal Sua Pesquisa
- A Origem dos Livros Chineses e Tipografia