Jornalismo e literatura se misturam em “Auri, a anfitriã”

Quando ainda era estudante de jornalismo pela Universidade Federal do Ceará (UFC), Aline Moura estagiava no caderno de Cotidiano do jornal O Povo, de Fortaleza (CE). Certa vez foi escalada para cobrir o concurso Miss Penitenciária, realizado no Instituto Penal Feminino Desembargadora Auri Moura Costa. “Aquele foi meu primeiro contato com o cárcere. Vi-me angustiada por ter que resumir aquelas histórias tão complexas e impactantes em uma notícia de jornal”, lembra.


Em vez de correr para fechar a matéria e descartar as histórias, guardou tudo. Mais tarde, junto com a colega e co-autora Bárbara Almeida, fez um livro-reportagem como trabalho de conclusão de curso narrando a vida de quatro das presidiárias com quem teve contato. O trabalho foi defendido em 2013, “diante de certa relutância de pessoas da academia”. “Recordava-me de muitas histórias que simplesmente não puderam ser aproveitadas. Minha ideia sempre foi construir perfis das internas a partir de como elas enxergavam a própria história”, diz Aline.

Agora, um ano e meio depois de concluído, o material deve ser finalmente publicado. Uma campanha de financiamento coletivo no Catarse já arrecadou mais da metade do valor necessário para a impressão de 500 exemplares. O curioso é que o livro, mesmo tendo conquistado cinco prêmios em níveis regional e nacional, não pôde ir ao prelo até hoje por conta da velha chata que atende pelo nome de burocracia.



“Estamos lutando pelo publicação há um ano e meio. Houve diálogo com representantes de vários segmentos, inclusive do governo estadual. Recebemos convites, mas nenhuma dessas propostas chegaram a se concretizar nesse espaço de tempo”, conta a jornalista. “Vencemos o edital de publicação de livro-reportagem pela UFC, mas ao final de 2014, fomos informadas de que houve atrasos na Impressa Universitária e que a publicação foi adiada para 2015”, prossegue. Aline e Bárbara não quiseram esperar para ver.

Além do trabalho das jornalistas, o livro conta com o projeto gráfico e diagramação do designer Ed Borges e fotografias de Daniel Muskito.

Quando a arrecadação — o mínimo esperado é R$ 4 mil — for concluída, todos os processos editoriais, de impressão e distribuição serão feitos pela equipe. Uma parte da tiragem inicial de 500 livros será destinada aos colaboradores, e os demais exemplares serão comercializados de forma independente. A campanha será encerrada no dia 26 de janeiro. Assista abaixo ao booktrailer.



imagem: capa/divulgação

Narrativa

Na descrição do projeto, um ponto que chama a atenção é a maneira como a história é contada: “Auri”, a própria prisão, assume uma identidade e narra, enquanto testemunha, a história de quatro detentas. Aline conta que a principal referência para esse formato narrativo é o romance clássico A Casa, da escritora cearense Natércia Campos, onde a construção acompanha e relata a vida de várias gerações de uma família do interior.

“A produção do livro seguiu todos os critérios jornalísticos de apuração”, afirma. “Entrevistamos diretoras, agentes e demais funcionários, como professores e médicos, além de estudar os processos criminais de cada uma das personagens. A partir de perfis pré-selecionados, buscamos indicações de personagens que se encaixassem nestes perfis” detalha Aline.

Inicialmente a ideia era escrever os perfis da maneira tradicional, ou seja, em terceira pessoa. Foi quando a colega Bárbara Almeida propôs uma parceria e deu a ideia de um texto em primeira pessoa. E os futuros leitores agradecem antecipadamente.